Já não tenho saudades tuas.
Hoje vou sentar-me na cadeira, frente à cadeira em que supostamente te deverias sentar, acender a vela e jantar sozinha. Vou confundir a sombra de um armário ou dos copos, com a tua sombra. Farei daquela refeição um pequeno monólogo. Conversarei sozinha. Aquilo que sinto, já não são saudades tuas, da tua presença ou de o que quer que seja teu. Já é demasiada a tua ausência para sentir. O teu nome já nem faz sentido. Já quase me deito sem pensar em ti. Já quase vivo sem precisar de ti. Já quase faz sentido sentar-me na cadeira, frente à cadeira em que supostamente te deverias sentar, acender a vela e jantar sozinha. Não era possível eu ficar para sempre à tua espera. Nem chegámos a fazer promessas de maior. Alguma vez referimos o "sempre"? Já não te espero. Esperar seria sinónimo de morrer. Por isso morri aos pedacinhos. Por isso me mataste aos pedacinhos. Por isso hoje vou sentar-me na cadeira, frente à cadeira em que supostamente te deverias sentar, acender a vela e jantar sozinha. Queria ter tido contigo outra história, diferente do fim que lhe deste. Confesso que ao ínicio pareceu-me que entraste de encaixe na minha vida. Tinhas medo, mas eu tive mais... Arriscaste, mas fui eu quem perdi. Por ti caminhei por trilhos perigosos e caí em chãos sujos e tristes. Deixei de ser eu para ser alguém que eu própria não conhecia. Fizeste-me cansar e por isso hoje vou sentar-me na cadeira, frente à cadeira em que supostamente te deverias sentar, acender a vela e jantar sozinha. Mas vou sentar-me, olhar em frente para a tua cadeira vazia e sentir a tua falta. Vou acender a vela e descobrir que o teu rosto iluminado não está. Nem vou terminar o jantar. Vou correr em direção ao meu quarto, vestir o meu vestido mais lindo, pintar os lábios delineadamente, fazer um risco no olho, e colocar uma sombra nas pálpebras. Vou dar um jeito ao cabelo, calçar as minhas sandálias altas. Vou olhar-me ao espelho e sorrir. E só depois, mas, ainda hoje, vou sentar-me na cadeira, frente à cadeira em que supostamente te deverias sentar, acender a vela e jantar sozinha. Vou sorrir mais uma vez e enganar-me, já não tenho saudades tuas.
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