
Puxo de mais um cigarro. Sugo o seu fumo de forma impaciente. Respiro fundo. Olho o vago e com a manga da camisa limpo as lágrimas dos olhos. Relembro as memórias de um passado bem longínquo. Consolo-me a mim mesma com argumentos desmembrados, inválidos, ultrapassados... As mãos arrefecem, a alma petrifica, o corpo fica inerte e a alma sobrevoa um lugar desconhecido e escuro. Apago a ponta do cigarro contra o muro, deito-o ao chão num movimento voraz, piso-o para me certificar que este fica bem apagado. Pego no maço vazio. Aperto-o com sentimento de raiva e atiro o que dele resta para o outro lado do passeio. Observo tudo o que me rodeia. Retiro a luz a cada cor, e por momentos fico rodeada por objectos cinzentos. Ninguém se aproxima da triste criatura sentada na berma dum passeio, em plena hora de ponta, rodeada por todos e por ninguém, deixando escorrer a água da chuva pelos cabelos… Ninguém se pergunta o que ali faz, nem tão pouco quem é. O tempo passa. Deixam de circular carros na estrada, as ruas ficam pouco iluminadas. A lua sobe no céu, e a minha mão permanece trémula, cheia de nada. Não resta vontade dali sair, não resta vontade de lutar, de continuar, de viver… Não resta vontade. Apenas sobram memórias das constantes subtracções da vida. Espero por alguém, que se sente ao meu lado no passeio frio, sem medo de se molhar e capaz de me fazer companhia. Que me traga um cigarro e me diga, “não o fumes”! Que me traga a felicidade e me diga,” não a desperdices”! Que me traga um sorriso e me diga,” não o percas”! Que me traga uma vida e me diga,” é toda tua, não a consumas, não a desperdices, não a percas, vive-a”!